A Árvore da Casa Amarela

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a árvore da casa amarela

1ª edição

Era uma vez a Menina que morava na casa amarela. Se você perguntasse onde ela morava provavelmente a descrição seria essa. Talvez ela dissesse também que a sua casa ficava entre a casa branca e o parquinho, onde brincava quase todos os dias e era praticamente seu quintal.

Nesse dia a Menina não iria ao parquinho depois da aula, tinha outros planos.

Era a semana mais esperada do ano, ela faria aniversário dentro de quatro dias e, assim como o Natal, essa era uma época mágica. Claro, quando se acredita que uma cegonha te trouxe há quase sete anos e que, coincidentemente, seus pais queriam uma filha, isso é motivo para celebração e parece um momento mágico. Imagina se a cegonha viesse

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e os pais quisessem um menino ou preferissem um cachorro? Provavelmente nesse caso ela não estaria tão animada. Mas para sua sorte seus pais ficaram felizes com a sua chegada e era melhor não pensar como seria caso a situação fosse outra.

Você deve estar se perguntando que planos uma menina de quase sete anos poderia estar fazendo, e a resposta óbvia, e correta, é: pensando em que presente pedir.

Ela já não brincava com bonecas, de modo que não fazia sentido pedir uma. Havia pensado em pedir uma bicicleta, talvez assim conseguisse se enturmar com os amigos da escolinha, todos eles tinham bicicletas. Mas aí ela se lembrou que tinha medo de cair e deixou esse pensamento de lado. Talvez uma fantasia nova de dinossauro, a dela estava começando a ficar gasta pelas idas ao parquinho e tinha certeza de que não precisaria de mais do que duas descidas no escorrega para ter que voltar para casa com a calcinha aparecendo.

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— É, talvez uma nova fantasia. — disse a si mesma.

— Filha, você vai se atrasar para a aula! — gritou sua mãe da cozinha interrompendo seus pensamentos.

— Já vou, mãe! — respondeu terminando de colocar o uniforme e os tênis e procurando a mochila, que era maior do que ela mas que sempre dava um jeito de se esconder.

— Me explica de novo porque eu não posso pedir um irmão de presente? — perguntou a Menina na cozinha enquanto esperava a mãe colocar o lanche na merendeira.

— Porque já tem muitas famílias para a cegonha passar, não vai sobrar um irmãozinho para você.

— E um cachorrinho?

— Essa cegonha também vai ficar ocupada por um tempo.

— Mas a gente não precisa de cegonha, de

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vez em quando aparece um cachorro perto do parquinho que não tem família.

— Filha, asma e bichinhos de estimação não costumam ser uma boa combinação… Agora anda que você tem aula, conversamos mais tarde. — disse enquanto entregava a merendeira.

— Volta aqui, tá esquecendo de uma coisa! — lembrou a mãe quando ela ia abrindo a porta de casa.

— Ah, mãe, eu vou me atrasar! — disse correndo até a mãe e ficando nas pontinhas do pés para lhe dar um beijo rápido na bochecha.

— Tá levando sua bombinha?

— Ela não sai da mochila, mãe. — disse a Menina já indo para a porta.

— Vê se pergunta alguma coisa legal hoje e cuidado na hora de atravessar a rua!

— Mãe, eu já morri alguma vez? — respondeu deixando a mãe a observar da porta enquanto atravessava a rua para ir para a escola, que ficava

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a árvore da casa amarela logo depois do parquinho. A Menina era quase sempre a primeira a chegar na escola, mas como era a semana do seu aniversário se permitiu passar no parquinho antes. Deixou a mochila e a merendeira no chão e subiu no escorrega, mas quando estava lá no alto percebeu que havia algo diferente. Não conseguia dizer, mas algo havia mudado. Só depois de escorregar, e ser pega desprevenida por um raio de sol no meio da descida, que notou que a árvore que fazia sombra no escorrega não estava mais lá.

Talvez eu devesse pedir um chapéu de aniversário. Ou então uma máscara de dinossauro, acho que também serviria para me proteger do sol. E com esse pensamento foi andando até a escola para não perder a hora. Não foi a primeira a chegar, uma menina que sempre usava trancinha e com quem ela mal falava já estava sentada em seu lugar brincando com uma boneca.

— Oi — disse a Menina tímida sem olhar para

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a árvore da casa amarela ela.

— Oi — respondeu ela parando de brincar e se virando para ver quem era — Conseguiu pensar em um projeto pro dia do meio ambiente? — continuou puxando assunto.

— Ainda não, você já?

— Também não, mas talvez eu faça um desenho.

— Pensei nisso, mas não sei desenhar. Talvez cole umas folhas e só desenhe o tronco da árvore.

— Vai ficar bonito!

A conversa foi interrompida pelas outras crianças que começavam a chegar. Elas começaram a conversar e contar como havia sido o fim de semana quando a professora chegou carregando a casinha de fantoches.

— Bom dia, turma! Quem pode me ajudar a montar a casinha?

Alguns pares de mãos se levantaram acompanhando um coro de “eu, eu” e a

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a árvore da casa amarela professora pediu para um menino e uma menina se aproximarem. Depois de um tempo montando a casinha e combinando com as crianças como seria a tal peça de fantoches, ela chamou a atenção da turma com um assobio.

— Senhoras e senhores, respeitável público, tenho o prazer de convidar vocês para mais uma aventura! Vocês estão prontos?

— Sim! — respondeu a turma em coro com exceção da Menina, que olhava atentamente para o fantoche na mão da professora.

— Olá, pessoal, eu sou o Dino, o dinossauro!

— disse a professora com uma voz diferente — hoje vamos falar sobre seres vivos que não podem desaparecer do planeta, como eu desapareci, porque isso faria vocês sumirem também! Alguém sabe de quem estou falando?

— Peixes? — perguntou uma menina — lá em casa a gente come eles toda semana, se eles desaparecessem a gente ficaria com fome.

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— Esse é um bom palpite, mas não são os peixes, se eles desaparecessem vocês poderiam comer outras coisas.

— Cachorros? Meu pai diz que eles são os melhores amigos do homem. Acho que se meu melhor amigo desaparecesse eu ficaria muito triste e talvez sumisse também.

— Eles são mesmo os melhores amigos do homem, mas hoje falaremos de algo que provavelmente muitos de vocês tem em casa!

— Nossos pais?

— Bom, se eles tivessem desaparecido antes de vocês nascerem seria um problemão. Mas estou falando das plantas! — respondeu a professora ainda com a voz do Dino.

— Ah — responderam algumas crianças um pouco decepcionadas.

— Vocês sabem porque as plantas são importantes para a gente?

— Elas fazem sombra — disse a Menina pela

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a árvore da casa amarela primeira vez, lembrando da árvore que havia sumido do parquinho.

— Sim! E elas fazem muito mais do que isso, além de nos darem sombra no verão e serem lindos enfeites para as nossas casas, elas ainda geram oxigênio, alimento, combustíveis e remédios que permitem que a gente, e muitos outros animais, existam.

— Então a gente respira melhor perto de plantas? — perguntou a Menina com o olhar pensativo.

— Sim! E até quem não gosta de salada devia agradecer às plantas, todos os alimentos que consumimos vem delas.

— Até o hambúrguer? — perguntou um menino que adorava comer.

— Até ele! A vaca, que é usada para fazer a carne do hambúrguer, se alimenta de plantas! Sem elas não haveria vaca, nem hambúrguer.

— Hambúrguer é feito de vaca? — perguntou

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uma menina com os olhos arregalados.

— Isso é conversa pra outro dia! — respondeu a professora sem graça tentando manter a voz do Dino — agora quero fazer uma pergunta para os espertos: quantas plantas diferentes nós temos aqui na escola?

— 47! — disse alto um menino.

— Esse seria um número bem alto para uma escola pequenininha como a nossa. Vamos descobrir se ele está certo, turma? Peguem um papel e um lápis e vamos nos aventurar! — disse o Dino batendo as patinhas para dispersar a turma.

— anotem todos os tipos de plantas que vocês encontrarem aqui, mas sem sair da escola!

A Menina pegou seu lápis e seu caderno e saiu da sala para desvendar a floresta que ela ainda não tinha percebido. No pátio da escola, onde eles passavam o recreio, ela contou três árvores diferentes, uma ela sabia que dava manga e anotou “árvore de manga” as outras, como não davam

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a árvore da casa amarela frutas, tentou descrever, resultando em “árvore perto do bebedouro com flor roxa” e “árvore normal que faz sombra no banquinho”. Além das árvores haviam dois canteiros com “flores rosas, amarelas e brancas”, “grama” e uma “árvore bebê”. Depois de fazer suas anotações voltou para a sala de aula e tentou entrar na conversa que as crianças estavam tendo sobre qual seria o nome da árvore perto do bebedouro.

— Parece com uma árvore lá perto de casa que meu pai chama de “quasmeira” — disse o menino mais alto da turma.

— Mas a cor da flor é igualzinha a uma árvore que a mamãe chama de ipê — respondeu a menina de trancinha.

— E então, crianças, descobriram quais são

as plantas que temos por aqui? — interrompeu a professora ainda com a voz do Dino.

— Sim! — respondeu a turma em coro. Depois da explicação de que a árvore perto do

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bebedouro se tratava de um jacarandá, a professora continuou a falar sobre árvores que haviam no bairro e a aula passou voando.

— Mãe, mudei de ideia, não quero mais um irmãozinho, nem um cachorrinho! — disse a Menina colocando a merendeira na mesa da cozinha com ar decidido assim que chegou em casa.

— Ah é? E porque a mudança? — perguntou parando de mexer a panela para olhar para a filha, como se pudesse adivinhar a razão apenas com os olhos.

— Fiz uma pergunta boa hoje — disse esperando a mãe perguntar.

— E qual foi?

— Perguntei se a gente respirava melhor perto de plantas.

— É uma pergunta realmente boa, mas o que isso tem a ver com seu presente?

— Tem tudo a ver! Eu quero um amigo mas quero um que não piore meu nariz e uma planta

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a árvore da casa amarela vai melhorar! Então decidi que quero uma árvore.

— disse fechando os olhos certa de que essa era a melhor escolha.

— Tudo bem… acho que podemos providenciar isso, mas onde a senhorita planeja colocar sua árvore? não temos espaço aqui.

— Já pensei nisso também. Tiraram a árvore que fazia sombra no escorrega do parquinho, então se eu colocar a minha lá não vou precisar de uma máscara de dinossauro!

— Certo — disse a mãe tentando acompanhar o raciocínio da filha — e você já decidiu também qual árvore você quer?

— Bom, isso ainda não. Mas queria uma com flores bem bonitas, talvez amarelas, assim todo mundo saberia que é minha.

— Como saberiam isso? — disse a mãe sem esconder a dúvida que surgia na sua sobrancelha arqueada.

— Ué, a nossa casa é amarela, a árvore vai ser

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amarela — disse a Menina como se não precisasse explicar mais do que isso por ser uma conclusão óbvia.

— Nesse caso, acho que pode ser uma acácia.

— É amarela?

— É amarela — respondeu a mãe com um beijo na testa da Menina.

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